sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Eva.

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EVA

Adão ao vê-la nua e iluminada
pelo celeste olhar onipotente,
sorriu,tremeu, chorou, e humildemente
beijou a fronte à loira desposada.

Eva, entreabrindo a pálpebra adorada,
ao seu divino esposo meigamente
estende os lábios pálidos tremente
como a açucena aos lumes da alvorada.

Rezam depois as folhas da Escritura
que Eva pecou e o Arcanjo vingador
expulsou-os da edênica planura.

Salve, ó sublime filha do Senhor!
Tu que inventaste o êxtase, a ternura,
e os crimes todos do primeiro amor!

Luís Guimarães Júnior.
(1845-1898)

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Momentos.

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MOMENTOS

Chegaste assim lentamente... De mansinho,
Sem alardes, em silêncio, repleta de emoção.
E conseguiste com malícia e com jeitinho,
Conquistar meu indomado e arisco coração.

Lembro-me ainda como se fosse agora,
Que para troca de carícias, se aguardava o ensejo.
Lembro-me também, da inesquecível hora,
Que fiquei deslumbrado com teu primeiro beijo.

Quantas noites felizes, momentos marcantes,
Momentos de amor, de luxúria, de amantes,
Reveladores momentos, da nossa grande paixão.

Mas, hoje do passado só lembranças existem,
Mais as saudades que massacram e ainda persistem,
E de momentos de tristezas, enchem minha solidão.

R.S. Furtado.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A Açucena.

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A AÇUCENA – (Lenda japonesa)

Morava o príncipe Tokiko num castelo montado no cume do monte Azul. Numa tarde, regressando de seu habitual passeio no bosque, deparou-se com uma jovem de rara beleza. O príncipe fitou-a ternamente. Admirou o rosto perfeito da moça. Gostou imenso dos olhos amendoados e finos, como dois frutos deliciosos pendentes dos cabelos cacheados da nipônica linda vestida de branco. Gostou e parou. Largando a sela do fogoso corcel, indagou dos criados da comitiva da jovem, qual o nome da formosa donzela. E, de joelhos, na frente da moça, ferido de amor e de grande emoção, rogou-lhe aceita-lo como esposo.

A resposta da linda Mikio surgiu sorrindo nos lábios vermelhos: “Eu quero!” E acrescentou:

– Contanto que você nunca me fale de flores e nunca me fale de morte!
Tokiko estremeceu. Não podia entender a inesperada e esquisita condição imposta pela noiva. Mas anuiu, sem indagar motivos. E na sua cabeça ficou dançando aquela frase musical: Nem flores nem morte!”Colocou a bela Mikio na garupa de sua montaria e cavalgou para o castelo no alto do monte.

A festa das núpcias alargou a noite até a madrugada. As luzes pintaram mosaicos nas salas alegres. A música tocou. E a multidão dos ricos convivas subia e descia as estradas largas que serpeiam na serra. E o príncipe Tokiko viveu feliz com a princesa Mikio por muitos anos.
Certo dia, uma dama da corte ouviu a conversa dos príncipes. Quem falava era Mikio:

– Querido príncipe, há muito tempo (eu era criança), minha madrasta me pos um terrível encantamento. Eu morreria, jurou ela, depois de casada, se meu marido me deixasse ouvir o nome da morte ou nomes de flores. Mas, agora estou feliz. Você tem sido tão bom para mim. E faltam apenas dois dias para completar o tempo daquela maldição. Depois disso nada me poderá acontecer.

A dama da corte era mulher má e invejosa da felicidade do casal. Por isso alegrou-se pela posse do segredo. Tinha nas mãos o meio de desmanchar o amor do príncipe. Mais do que depressa, chamou o cantor do palácio. Disse para o jogral da corte:

– Amanhã haverá um jantar festivo. É aniversário de casamento do nosso augusto príncipe. Você cantará, ao som dos tambores e flautas, a marcha das Bodas e a ária do Além.

No dia seguinte, Tokiko e Mikio entraram contentes na sala toda enfeitada. Tomaram assento nos seus lugares. E começou o banquete. O primeiro prato servido foi o de ostras frias. E foi servido aos acordes da marcha das Bodas. A alegria tinia em todos. E os convivas tiniam as taças saudando os dois príncipes bondosos. Iam a meio as comemorações, quando o jogral iniciou molemente a ária do Além. Ao chegar naquelas palavras que se cantam assim:

“o rico ou o pobre, o fraco e o forte,
terminam sem dó no frio da morte” –
a princesa Mikio, lívida caiu gritando de dor. E fria e gelada de medo e pavor, com a pele tremendo na face amarela, deitada no chão olhava Tokiko, e encurtava uma perna que, dura, tocava num vaso de rosas, no canto da mesa ali posto pela perversa mulher da corte real.

Em vão Tokiko a mantinha nos braços. Em vão lhe beijava a descorada face. Mikio gemia. Dos olhos só uma lágrima corria. E o corpo inteiro diminuía. Tokiko abraçava-a. E ela encurtava. Nos braços fortes o príncipe a tinha. E ela nem mais gemia. Sorria. Tokiko passava-lhe as mãos no rosto, na testa, nos densos cabelos. E ela fininha, fininha, diminuía. E pouco depois a face branca e gelada foi se apertando. E restou nos braços do príncipe Tokiko uma flor alva, como copo de leite, numa haste longa e fria. É que nas terras longínquas do velho Japão nascia a Açucena.

E a açucena, imaculadamente branca, há de lembrar sempre a todos os homens que também os reis não são felizes, quando se cercam de invejosos de coração perverso.

Autor desconhecido.

sábado, 24 de outubro de 2009

Resposta a um passarinho cantando.

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RESPOSTA A UM PASSARINHO CANTANDO

Contente, alegre, ufano Passarinho
que enchendo o bosque todo de harmonia,
me está dizendo a tua melodia,
que é maior tua voz, que o teu biquinho:

como da pequenez desse corpinho
sai tão grande tropel de vozeria?
Como cantas, se és flor de Alexandria?
Como cheiras, se és pássaro de arminho?

Simples cantas, incauto garganteias,
sem ver que estás chamando ao homicida,
que te segue por passos de garganta.

Não cantes mais, que a morte lisonjeias,
esconde a voz, esconderás a vida,
que em ti não se vê mais que a voz que canta.

Gregório de Matos.
(1633-1696).
Poesia Barroca.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O sonho.

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O SONHO

Sonhei que estávamos num belo jardim,
Verdejante e ornado com lindas flores.
Açucena, amor perfeito, crisântemo e jasmim,
Exalando fragrâncias num misto de odores.

De um lado, formosa, estava uma rosa,
E do outro, perfilado, estava um cravo.
A rosa repousava com sua graça mimosa,
O cravo implorava seu amor como um bravo.

E assim, de uma forma magna, esplendorosa,
A história de um lindo amor aconteceu.
A felicidade reinou para ambos, imperiosa,

Mas o sonho findou. O dia lentamente amanheceu.
Ao meu lado dormindo, tu eras a rosa,
Ao teu lado acordado, o cravo era eu.

R.S. Furtado.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A mochila de ouro.

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A MOCHILA DE OURO

Havia dois homens, um rico e outro pobre, que gostavam de fazer peças um ao outro. Foi o compadre pobre à casa do rico pedir um pedaço de terra para fazer uma roça. O rico, para fazer peça ao outro, lhe deu a pior que tinha. Logo que o pobre teve o sim, foi para casa dizer a mulher, e foram ambos ver o terreno. Chegando lá nas matas, o marido viu uma mochila de ouro, e, como era em terras do compadre rico, o pobre não a quis levar para casa, e foi dizer ao outro que em suas matas havia aquela riqueza. O rico ficou logo todo agitado, e não quis que o compadre trabalhasse mais nas suas terras. Quando o pobre se retirou, o outro largou-se com a sua mulher para as matas a ver a grande riqueza. Chegando lá, o que achou foi uma grande casa de marimbondos; meteu-a num grande saco e tomou o caminho da casa do pobre e, logo que o avistou, foi gritando:
– “Ó compadre, fecha as portas e deixa somente uma banda da janela aberta”. O compadre assim fez, e o rico, chegando perto da janela, atirou a casa de marimbondos dentro da casa do amigo e gritou: – “Fecha a janela compadre!” Mal os marimbondos bateram no chão, transformaram-se em moedas de ouro, e o pobre chamou a mulher e os filhos para as ajuntar. O ricaço gritou então: – “Ó compadre, abre a porta!” Ao que o outro respondia: – “Deixa-me, os marimbondos estão me matando!” E assim ficou o pobre rico e o rico ridículo.

Sílvio Romero.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Onze anos de saudade.

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ONZE ANOS DE SAUDADE

É impressionante como o tempo passa rápido. Fatos ocorridos já há tanto tempo e parece que foi ontem. Existem acontecimentos que realmente marcam a vida da gente. Os bons; aqueles gratificantes que somente nos proporcionam momentos de alegrias e que vale a pena relembrá-los. E os ruins; aqueles lamentáveis, que, além de nos proporcionar momentos desagradáveis, de tristezas, angústias, e dor, deixam-nos um vazio inimaginável e impreenchível.

Hoje, 19-10-2009, as 03:00 horas da madrugada, coincidentemente segunda-feira e Dia dos Comerciários em Recife, completou exatamente onze anos que perdi uma parte de mim. Perdi o que de mais valioso o nosso bom “DEUS” havia me dado; a senhora D. Adelaide, minha adorável e inesquecível “MÃE”. Que “DEUS” a tenha em seus braços, a abençoe e ilumine toda a sua trajetória.

Como homenagem ao seu aniversário de falecimento, e para que os amigos saibam um pouco do que foi a minha prenda máxima, estou repetindo a postagem de um artigo que escrevi logo após o funesto acontecimento, postado recentemente, em 14/12/2008.

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TRISTE DESPEDIDA

Segunda feira, 19-10-98. Como sempre, minha mulher me desperta as 06:00 horas para ir ao trabalho. Só que dessa vez foi diferente, falei pra ela que não iria trabalhar, pois era dia dos Comerciários e, ela por sua vez me disse: levanta-te e vai à casa da tua mãe! Ela viajou! Está com “DEUS”! Com a notícia senti uma profunda dor no coração, foi como se tivesse sido vítima de uma forte punhalada.

Dona Adelaide, 90 anos de idade, heroína, firme, forte, sempre disposta a enfrentar a labuta diária em favor do bem estar do seu rebanho. Nunca reclamou de nada, nem deixou transparecer nenhum sinal de fraqueza. Seu único objetivo era, nada mais, nada menos, oferecer o que de melhor, não somente aos seus, como também as pessoas que dela necessitavam. Sempre carinhosa e conselheira, apesar de suas condições humilde e semi-analfabeta, vivia em constante preocupação com os problemas, quer fossem dos parentes, amigos, ou mesmo de problemas que chegavam ao seu conhecimento, de pessoas desconhecidas. Costureira, mãe de oito filhos, logo cedo foi forçada a conciliar a costura com o trabalho numa fábrica de cobertores, a fim de aumentar a renda familiar, trabalhando das 07:00 as 17:00 horas na fábrica e das 18:00 as 23:00 horas na máquina de costura. Acometida da Ação Degenerativa do Sistema Nervoso, ficou acamada durante mais ou menos quatro anos, não sei se vivendo ou vegetando, até que, vítima de uma infecção respiratória, partiu para o outro mundo – com certeza bem melhor que este -, abrindo assim, uma profunda e impreenchível lacuna, no coração daqueles que a amavam.

Em nome de todos, filhos, sobrinhos, genros, noras, netos, bisnetos e parentes de um modo geral, resta-me rogar ao nosso mestre supremo que a proteja e a tenha num lugar de muita paz, como também, agradecer a todos, indistintamente, que nesta hora tão difícil, partilharam do nosso sofrimento, confortando-nos com palavras de consolo e carinho, num grandioso gesto de fé e solidariedade cristã.

Que “DEUS” nos abençoe e tenha piedade de nós.

Rosemildo Sales Furtado
Torreão-Recife.

PS – Tem uma atitude importante tomada por D. Adelaide no início do artigo intitulado “Dizes-me com quem andas que te direi quem és”, postado no dia 30/11/2008, sob o marcador Meus artigos. Vale a pena conferir!

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Gonçalves Crespo.

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GONÇALVES CRESPO

Esta musa da pátria, esta saudosa
Niobe dolorida,
Esquece acaso a vida,
Mas não esquece a morte gloriosa.

É pálida e chorosa,
Ao Tejo voa, onde no chão caída
Jaz aquela evadida
Lira da nossa América viçosa.

Com ela torna, e, dividindo os ares,
Trepido, mole, doce movimento
Sente nas frouxas cordas singulares.

Não é a asa do vento,
Mas a sombra do filho, no momento
De entrar perpetuamente os pátrios lares.

Machado de Assis.
Do livro “Ocidentais”

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Duas caras.

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DUAS CARAS

Já não és o mesmo homem! Quem nos dera,
Voltasses a agir como antigamente.
Abandonasses essa vida fútil, de quimera,
E retornasses a realidade do presente.

Já não amas o povo, que ao longo do passado,
Por ti tanto fez, com brio, zelo e devoção.
E hoje, somente espera e prova conformado,
O sabor da tua vã e mísera ingratidão.

Já não tens o mesmo tom de voz, que com brandura,
Ao pedires voto, demonstravas com ternura,
Que fama e poder jamais teria importância.

E assim, por mais que o povo reclame,
Para ti pouco importa, o povo que se dane,
Pois o que prevalece é a tua arrogância.

R.S. Furtado.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O rei infeliz.

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O REI INFELIZ (Lenda hindu)

O rei e a rainha viviam num palácio de ouro. Possuíam fortuna, riquezas e filhos perfeitos. Mas o rei não era feliz. Sempre intranqüilo, temia morrer de repente, apesar de ser forte e gozar de boa saúde. Receava perder o poder e o dinheiro. Pensava que os amigos iriam trai-lo. Por isso não se alimentava, nem dormia direito. Vivia tristemente desassossegado. Um dia chamou o sábio da corte e consultou com ele. Perguntou ao sábio: “Que devo fazer para acabar com meus temores? Tenho tudo. Casa rica, mulher bela, filhos obedientes, poder, glória e dinheiro! No entanto, vivo infeliz, em contínuos sobressaltos e cheio de medo. Diga-me, ó sábio, que devo fazer para ser feliz e viver em paz?”
O sábio da corte olhou o rei de cima em baixo e respondeu:
Vossa Majestade só obterá tranqüilidade no dia em que vestir a camisa de um homem feliz.
Naquele mesmo dia, saiu o rei pelas ruas de todas as cidades de seu reino. A todo mundo que encontrava dirigia invariavelmente a mesma pergunta.
– Escute cá! Você é um homem feliz? Inteiramente feliz?
E recebia sempre uma resposta assim: mais ou menos!
Havia gente que falava logo: “Não, eu não sou feliz! Ainda não tenho tudo que quero”.
Como não encontrou sequer um homem que lhe garantisse que era bastante feliz, saiu das cidades e foi percorrer todos os campos e todas as estradas do seu reino. Andou a valer. E ouvia sempre a mesma resposta: “Não. Eu ainda não sou feliz!”
Cansado de caminhar, pensava até que havia aprendido uma grande lição, a de que os homens jamais poderiam ser totalmente felizes na terra. Foi então que, numa curva da estrada, avistou uma casinha de pau-a-pique soltando fumaça pela chaminé de barro. E do lado de fora, no terreiro batido, cantando, suado e risonho, um lenhador que brandia o machado brilhante nuns tocos de pau. O rei apeou do cavalo.
– Bom dia, amigo,
– Bom dia, sim, senhor.
– Você está alegue... Cantando... Escute! Você é feliz?
– Ih! Moço. Felicíssimo. Graças a Deus.
O rei exultou. Até que enfim encontrara um homem feliz. O lenhador respondia as perguntas do rei. E ia explicando: vivo contente com minha mulher e meu trabalho. Levanto cedo. Dou uma volta no roçado. Cato os gravetos. E os meninos me levam a comida. Dou a ração para as galinhas. Vejo os porcos. Tiro leite nas duas cabras. Vou a cidade vender abobrinhas e hortaliças. Trago diariamente para a patroa um naco de rapadura e meio quilo de farinha. De vez em quando racho lenha na casa dos outros, só para ajudar. Mas aqui planto. Aqui colho. Aqui vivo. E, meu Deus me ouça, aqui quero morrer. É tão bom!
O rei vibrava de alegria. E então contou para o lenhador que era um rei. E que desejava apenas vestir a camisa do homem feliz. Vestir só. Depois tornava a entregar.
– Ah!... Seu rei, eu não tenho camisa.
E o suor pingava em bagas do peito nu do lenhador feliz.

Autor desconhecido.

sábado, 10 de outubro de 2009

Pomba e chacal.

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POMBA E CHACAL

Ó Natureza! ó mãe piedosa e pura!
Ó cruel, implacável assassina!
– Mão, que o veneno e o bálsamo propina
e aos sorrisos as lágrimas mistura!

Pois o bêrço onde a bôca pequenina
abre o infante a sorrir, é a miniatura,
a vaga imagem de uma sepultura,
o gérmem vivo de uma atroz ruína?!

Sempre o contraste! Pássaros cantando
sôbre túmulos... flôres sôbre a face
de ascosas águas pútridas boiando...

Ainda a tristeza ao lado da alegria...
E êsse teu seio, de onde a noite nasce,
é o mesmo seio de onde nasce o dia...

Olavo Bilac

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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O verme.

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O VERME

Existe uma flor que encerra
Celeste orvalho e perfume.
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.

Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca esta flor virginal
E vai dormir-lhe no seio.

Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor o calix inclina;
As folhas, leva-as o vento.

Depois nem resta o perfume
Nos ares da solidão...
Esta flor é o coração,
Aquele verme o ciúme.

Machado de Assis.
Do livro Falenas – (1870).

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Estrela.

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ESTRELA

Queres que te ame! Sim! Muito hei de amar-te,
Mas com sinceridade e com brandura.
Pouca vida me resta para dar-te,
Serás talvez minha última desventura.

Amar-te eu já não posso com loucura,
Porque tarde demais pude encontrar-te;
Mas minha alma tristonha com ternura,
Em meus versos muito há de decantar-te.

Se eu te encontrasse na passada idade,
Daria então aos teus dezesseis anos,
Todo o vigor da minha mocidade.

Sou crepúsculo Estrela! E tu és aurora!
Quisera eu ter ainda, tão insanos,
Beijos que tive, para dar-te agora.

R.S. Furtado.

domingo, 4 de outubro de 2009

Adeus, meus sonhos.

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ADEUS, MEUS SONHOS.

Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E a tanta vida que o meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!

Misérrimo! votei meus pobres dias
À sina douda de um amor sem fruto,
E minha alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.

Que me resta, meu Deus? morre comigo
A estrêla de meus cândidos amôres
Já que não levo em meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!

Álvares de Azevedo.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Maldição.

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MALDIÇÃO

Se por vinte anos, nesta furna escura,
deixei dormir a minha maldição,
– hoje velha e cansada da amargura,
minh’alma se abrirá como um vulcão.

E, em torrentes de cólera e loucura,
sôbre a tua cabeça ferverão
vinte anos de silêncio e de tortura,
vinte anos de agonia e solidão...

Maldita sejas pelo Ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!

Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor que eu deixo de ser!...

Olavo Bilac